Meaning to Crack: Sobre Javardar e Fazer Música – LIMBO Magazine

arte original da capa do ep: @bluuskai / @cyon_hal

Meaning to Crack: Sobre Javardar e Fazer Música

Os Meaning to Crack são os viseenses Afonso Oliveira, Guilherme de Sousa, Martim Martins e Vitor Neto. Afonso é liricista, vocalista e guitarrista e, embora tenha três especialidades, pesa tanto como os restantes. O papel do Gui é o de baixista, segundo vocalista e, off the record, o humorista do grupo. O Martim toma conta da percussão, com a sua bateria. E o Vitor toca guitarra, acompanhando o Afonso. Acresce ainda que a co-criação impera e que todos moldam a arte que criam. Os quatro crescem juntos, fora e dentro dos seus ensaios, perdendo o tino de onde começa a arte e acaba a amizade. Têm uma visão afinada do que criam e do que pretendem, e ofereceram esta entrevista à LIMBO com muito boa disposição. A entrevista divide-se em duas partes: uma de contexto e apresentação da banda e outra de aprofundamento sobre o projeto, motivações e pensamentos sobre a arte que criam.
Filipa Ferreira
Meaning To Crack: Sobre Javardar e Fazer Música, Entrevista, LIMBO Magazine, Viseu

arte original da capa do ep: @bluuskai / @cyon_hal

Como é que surgiu o nome da banda?

Afonso — Estávamos em conversa, não tínhamos nenhum nome para a banda, e o Martim atirou para o ar Meaning to Crack. Vem de uma letra da banda dEUS, uma banda belga. É uma expressão que eles usam. O Martim é capaz de saber a linha correta…

Martim — “I’ve been meaning to crack.”

Afonso — Exato. E achámos que fazia sentido com o tema do álbum, e com o tema da banda no momento. E colou. Ficámos por aí.

É interessante porque permite ao ouvinte interpretar mediante aquilo que sinta com as vossas músicas.

Gui — E tem vários sentidos, também. Se alguém olha para mim, vão achar que Meaning to Crack é porque somos todos “crackudos”…

*risos*

Sobre os projetos da Meaning to Crack e as expectativas para o futuro. Que coisas interessantes têm feito e o que esperam concretizar?

Afonso — De momento, o único projeto que temos concretizado é o nosso EP, que surgiu por causa da quarentena. A quarentena deu-nos imenso tempo livre para trabalhar num projeto artístico, o qual todos tínhamos interesse, mas a banda já existia antes disso.

Martim — E já tínhamos algumas músicas.

Afonso — Exato, mas não tínhamos plano nenhum. Só queríamos escrever e fazer música e divertirmo-nos um bocado. E com a quarentena decidimos tornar a coisa um bocadinho mais séria. Entretanto conseguimos escrever as músicas que temos no EP, e decidimos que seria uma boa ideia gravar e publicar. Falamos com um conhecido, o André Figueiredo, que foi quem nos gravou o álbum.

Vitor — Ele tem um estúdio em casa.

Martim — E deu-nos a oportunidade de gravar. Nós escrevemos as músicas do EP, escolhemos o alinhamento, tendo em conta também o nosso orçamento — por isso é que só são 7 músicas.

Vitor — Muitas das músicas já tínhamos feito, mas não eram nada a nível completo da banda. Se calhar tínhamos uma guitarra ou outra, mas não tínhamos os instrumentos todos.

Gui — Algumas das músicas ainda são projetos em desenvolvimento. Aquilo que está representado no EP são as músicas que nós conseguimos acabar, organizar e gravar. E quanto à capa do álbum foi a Beatriz Teixeira que fez, que é minha prima, acho que é importante dizer.

Martim — A propósito da capa do álbum, nós temos uma boa relação com o pessoal de Artes do liceu (Alves Martins), por isso já tínhamos ideia de quem queríamos que nos fizesse a capa. Demos uma ideia à Bia e ela deu-nos imensas imagens.

E para o futuro?

Gui — Mais álbuns!

*risos coletivos*

Gui — Com a pandemia, e ainda por cima temos o nosso baterista no estrangeiro, o pessoal está fechado em casa, nós não conseguimos produzir grande coisa. Mas quando a pandemia acabar, o pessoal pode esperar por mais álbuns.

Vitor — Temos pelo menos um plano, com uma deadline.

Martim — Por volta de Junho, Julho queremos ter mais duas/três músicas, uma setlist bem composta, e darmos o nosso primeiro concerto num lugar público, se possível. E irmos gravar outra vez ao André Figueiredo uns bons 35/40 minutos de música.

Muito bem! Entrando agora numa vertente mais pensativa, como é que é feita a gestão criativa na banda? Sendo vocês quatro cabeças a pensar, como é que gerem as vossas ideias, como é que é o processo de escrita, de composição, e de criatividade no geral?

Martim — Às vezes é quase à pancada!

*risos coletivos*

Afonso — Era o que eu ia dizer. Acho que o termo perfeito para explicar a nossa criatividade e a maneira como nos organizamos é “javardice”. É o que vier, sinceramente.

Vitor — Acho que ele está a exagerar…

Martim — Estás a exagerar muito!

Gui — Eu vou pôr o que o Afonso disse por outras palavras. Basicamente, o que nós fazemos é: agrupamos, cada um com o seu instrumento. Começamos a tocar, posso começar eu, ou o Afonso, ou o Vitor ou o Martim, alguma coisa que trazemos de casa, já preparado. E a partir daí todos acompanhamos e trazemos novas ideias aos projetos de cada um. O que eu acho incrível em nós os quatro é mesmo essa parte do criativo, em que basta um começar a tocar e temos…

Martim — … o que acontece é que nós temos vários processos criativos, diferentes. E fomos estudando qual o melhor. Talvez as primeiras músicas que fizemos foram mais de improviso — chegámos, ouvimos, fizemos e percebemos que algumas coisas estavam a soar bem, e desenvolvemos. Depois começaram a surgir coisas trabalhadas de casa, principalmente do Afonso e do Vitor. De vez em quando o Gui trazia uma melodia bonita. E estudávamos o que havíamos de fazer. Muitas vezes nos ensaios tínhamos de parar uma, duas horas só para estudar que acordes é que a guitarra deveria fazer, que transição é que a bateria deveria fazer com o baixo. Fomos desenvolvendo cada vez mais o nosso método.

Vitor — Dá para perceber, cada vez mais, na nossa música a metodologia e o tempo que levou cada parte. Se formos às partes mais intensivas das músicas, ou às partes mais rítmicas, normalmente foram as partes mais rápidas de desenvolver, porque já existe uma base que vem de trás, que alguém traz — um conjunto de acordes ou um conjunto rítmico. E depois os restantes só acompanham, e é muito por experimentação. Às vezes ficamos em loop a tocar, e vamos experimentando por baixo várias técnicas ou sons diferentes. Depois paramos e começamos a raciocinar como é que podemos tornar isso mais interessante. Há muitas músicas cuja progressão não é natural, não tocamos aquilo logo à primeira. Temos partes rítmicas e depois uma passagem que parece que veio do nada, que denota alguma experimentação artística.

Martim — Consegue-se perceber logo isso na “New Year’s”…

Vitor — Era o que estava a pensar, quando fazemos “tararan tararan tururu tururu…” *risos* Isto foi completamente pensado, não foi uma evolução de improvisação.

Gui — Quando fazemos música juntos o que fazemos é javardar no início, mas na “Control”, eu lembro-me do percurso dessa música inteira. Eu no meu quarto em 2 minutos pus-me a tocar ao calhas e algo me soou bem. Agrupamos, comecei a tocar no início do ensaio e eles ouviram e gostaram. A partir daí, estive sempre naquele trabalho de fazer a mesma coisa, para que todos pudessem experimentar qualquer coisa no seu instrumento. Depois, foi juntar as partes que gostámos. É pura javardice.

Isso parece envolver muito mais da vossa amizade, do que processo criativo, dizeres isso assim.

Gui — Sem dúvida!

Vocês têm um trabalho de casa, autónomo, que provavelmente vos surge de inspiração ou de vontade de criar. E depois juntam-se e têm uma “jamming” construtiva, por assim dizer.

Vitor — Resumindo, sim. O que nós dissemos em muitas frases, tu disseste numa.

Afonso — Exato. *risos*

As vossas “muitas” frases são fundamentais! A forma como nos expressamos é uma das coisas mais interessantes de estudar, no que é feito na LIMBO, e é o que sustenta a sua existência, precisamente: como é que a expressão é utilizada para ilustrar a arte. A forma como vocês se expressam diz imenso de vocês, e do que é que é o vosso processo criativo.

Vitor — Eu posso acrescentar que a nível de desenvolvimento, por enquanto, as músicas têm sido desenvolvidas mais “por ouvido”. Não temos muita base teórica no que fazemos. Se calhar contra a minha própria vontade, que eu sou um bocadinho mais técnico. Por exemplo, a última música, a sétima, que se chama… eu esqueço-me sempre do nome…

Afonso — “Just, Please.”

Vitor — “Just, Please.”!

Gui — Eia, ó bro! Não pode ser…

*risos*

Vitor — Nessa música a base foi feita por mim, na guitarra de acompanhamento, e na altura não tinha nada conciso. Tinha uma ideia, tinha os acordes que queria fazer, ou seja, tinha a progressão rítmica do som, mas não tinha ritmo, não tinha dedilhado, não tinha ideia do que queria fazer por baixo. O seu desenvolvimento foi praticamente teórico. Mas depois quando se chegou aos ensaios para trabalhar essa música, que foi das mais complicadas e das que deu mais chatices para trabalhar, o seu desenvolvimento foi mais fluido.

Afonso — Eu acho que é interessante notar nessa música que, lá está, foi a que demorou mais tempo a escrever, e se calhar foi mesmo por causa disso. Porque foi quando nós abraçamos a parte teórica do Vitor, sem medos nenhuns. Eu, e acho que falo também pelo Gui, se calhar nem tanto pelo Martim, somos pessoas que em termos de teoria pouco ou nada sabemos. E o Vitor tem muito para dar nesse lado. Não tenho essas bases teóricas e ao abraçarmos este lado do Vitor, conseguimos compor uma música, um projeto criativo, muito mais interessante do que se fosse só a nossa parte isolada. É super interessante esta mistura, do que vem naturalmente e do que é mais pensado.

Gui — Na “Just, Please.” o que eu posso dizer é que no início detestei. Detestei trabalhá-la. O Afonso não pode falar por mim em teoria, porque eu tive anos no conservatório, eu percebo de teoria, mas não gosto de aplicá-la. Gosto mais de tocar o que estou a sentir no momento. E esta música custou-me bué trabalhar, porque no baixo eu não sabia o que é que havia de tocar, enquanto o Vitor tocava. E acho que no fim, abrindo as portas à música do Vitor, e trabalhando a sério a música, hoje é das que me dá mais prazer de tocar.

Martim — A grande dificuldade dessa música foi o facto de o Vitor ser um guitarrista com muitas bases de Jazz. E nós não trabalhamos muito com acordes de jazz. Então foi muito difícil de trabalhar. Nós tivemos 3 ensaios só para começar a música. Então um dia enervei-me e disse ao Vitor: “Toca o ritmo, toca isso, que eu já tenho uma ideia” e comecei a tocar a bateria, que é o que se ouve no início. Depois disse ao Afonso: “Mesmo que não consigas tocar nada na guitarra, canta, faz algo básico, para vermos o que é que sai daí. E vamos parar depois disto, para pensarmos o que é que vamos introduzir em cada parte.”

Vitor — A parte mais espetacular da música a nível técnico é que cada um de nós provavelmente estava no pico da sua técnica. A bateria do Martim, a nível técnico, é das mais difíceis que ele tem. O baixo do Gui idem. E a voz do Afonso é a voz mais difícil que ele teve de trabalhar.

É a vossa obra prima do EP?

Vitor — Eu consideraria, por mim.

Afonso — Em termos técnicos, sim!

Martim — A música que eu mais gostei e gosto é a segunda, a “New Year’s”. Mas isso é por mim. Para além da lírica do Afonso, que eu gosto mesmo, a maneira como as transições ficaram, foi muito genuíno. Eu não tinha bateria na sala de ensaios, lembro-me de estar a tocar e não haver peles nas baterias. Os pratos não eram pratos, eram pratos partidos muito velhos, sucata. E eu tive de improvisar, tinha de fazer qualquer coisa. Então comecei a tocar nos lados dos vários instrumentos da bateria. E tinha tanta raiva de querer fazer alguma coisa…e naquela altura estava tudo, lá está, num limbo, se íamos fazer o EP ou não, então foi um “f*da-se” muito grande.

Gui — Eu gosto de todas, são todas as minhas filhas!

*risos*

Vitor — A coisa porreira da “New Year’s” é a divisão das partes. Não é uma música “copy & paste”, não é igual na sua integridade. A guitarra evolui, a bateria toca em uníssono.

do instagram dos Meaning to Crack (IG: @meaning_to_crack )

Muito bem, saindo um pouco desta questão da gestão criativa do projeto, queria perguntar-vos sobre a produtividade e gestão emocional da banda. Quão produtivos são? Se conseguem aproveitar o tempo mediante as vossas expectativas? Se encontrarem um obstáculo, como é que o ultrapassam?

Afonso — Não sei se falo por todos, mas eu funciono, em termos criativos, por inburst. Eu nunca sei quando é que vou ter um burst criativo, mas eles acontecem. Em termos de obstáculos, frustração, ficarmos empacados em alguma música… isso foi muito comum ao longo da escrita deste álbum. Mas acho que gerimos tudo bastante bem, porque conseguimos perceber quando é que as quatro cabeças não estavam a funcionar ao mesmo tempo, e respirávamos um bocado. Deixávamos a frustração para trás.

Martim — Soubemos gerir bem a parte emocional. Sabíamos o que fazer quando alguma coisa começava a correr mal. Não tínhamos um plano, mas sabíamos que tínhamos de parar e pensar: “Será que é isto que temos de fazer? Será que não é?”.

Afonso — E houve vários ensaios em que todos saímos frustrados por não saber resolver o problema que tínhamos. Mas se calhar no próximo ensaio, ou no seguinte, conseguíamos resolver o problema muito mais rapidamente. Talvez pelas epifanias de cada um.

Martim — E tivemos muitos ensaios com redundâncias dos anteriores, uma repetição. Porque estávamos a insistir na criação de uma só música. Depois havia epifanias na sequência do jamming. “Passamos já para isso, e deixamos isto para trás, apesar de já termos meia música feita, não é isto que queremos, siga para a frente!”

Vitor — É sempre um bocadinho difícil porque isto são problemas que não são fáceis de detetar. Há coisas que conseguimos dizer “ok, ficou resolvido”. Mas não é uma coisa visual, que consigamos detetar. Neste caso, trabalhando com arte, em música, nós não conseguimos chegar a um ponto em que dizemos “ok, a música acabou, está feita, é isto, ponto final, xau e adeus.” Não é uma coisa que consigamos definir, como na matemática, que chegas ao resultado final e pronto, acabou. É difícil dizer quando é que chegamos ao fim. E a partir daí também é difícil saber se estamos num impasse ou não. Porque nós não temos um fim, isto não é uma corrida de 100 metros. Às vezes a frustração até pode vir daí, porque estamos com a ideia de que o final seja de uma forma.

Gui — Até porque a interpretação de cada um de nós para a música que fazemos, enquanto estamos os quatro, pode diferir entre nós. Tentamos sempre ir ao encontro do que todos nós queremos, mesmo com as nossas diferentes interpretações. Mas acho que é o que o Vitor acabou de dizer.

Afonso — Eu acho que a decisão de não ter mais decisões criativas para uma música é uma decisão criativa, e é dizer que chegou ali, chegou ao fim.

Sem dúvida. Decidires não comentar algo, já estás a comunicar alguma coisa. Aproveitando o seguimento do que estão a abordar, vocês estabelecem objetivos? Sei que já abordaram por alto, mas seria interessante ouvir uma elaboração.

Vitor — A maior parte das ideias, dos objetivos, acabam por ser quantitativos. “Ok, fizemos x número de músicas.” E se não for isso, pelo menos no mínimo, que saiamos todos felizes com o que fizemos. Podemos não ter feito nada adicional ao que já tínhamos, mas se calhar melhoramos a nossa capacidade de nos compreender uns aos outros, e de interagirmos musicalmente. Eu posso compreender melhor como é que o Martim toca na bateria e consigo acompanhá-lo melhor. Se não houver nada produtivo a nível quantitativo, no mínimo sairmos mais felizes, melhores e com melhor entendimento do que conseguimos fazer.

Gui — Resumindo: javardamos, divertimo-nos e saímos de lá felizes.

*risos*

No fundo, estão a criar arte e no momento não se importam se vai ser publicada ou não.

Todos — Definitivamente.

Martim — É uma coisa mais pessoal, que outra coisa qualquer, a realização pessoal.

Vitor — Existem sempre objetivos, mas não é algo que queiramos atingir independentemente de tudo. Os objetivos são uma direção para a qual podemos ir, mas se mudarmos de caminho a meio, ou se de repente tivermos um objetivo diferente, ou não chegarmos aquilo que queríamos, não perdemos a vontade e ficamos felizes na mesma. Os objetivos podem ser sair de um ensaio com uma música melhor tocada, ou com menos erros, ou com uma evolução. Como é abstrato, não vamos embora chateados.

Afonso — Os nossos objetivos nasceram muito das oportunidades. Nós não tínhamos o objetivo de gravar o álbum quando o começamos a escrever. Nós escrevemos porque queríamos escrever alguma coisa. Mas a oportunidade surgiu e por isso tornou-se num objetivo da banda.

Gui — Fazemos música por prazer próprio e quando surgiu a oportunidade de gravar o álbum, quisemos levar o prazer que sentimos a tocar para as outras pessoas.

Vitor — Foi uma reação a uma oportunidade versus uma ação ativa à procura daquela oportunidade.

Indo buscar o que o Martim disse há pouco, sobre ser algo mais pessoal, em busca da realização pessoal: enquanto banda, e por serem uma banda (co-criadores), quão vulneráveis se permitem ser na vossa dinâmica, na criação da vossa arte? Já deu para perceber a vossa cumplicidade, e sei que têm o momento do trabalho de casa, mas é relevante perguntar isto porque quando estamos sozinhos somos muito mais livres, e por vezes não é fácil o “estarmos nus” perante alguém, figurativamente.

Gui — Nós somos uma banda porque fazemos música juntos, e temos coisas publicadas juntos. Mas este projeto de fazermos música juntos vem da nossa amizade. O que eu sinto, e acho que os quatro sentimos o mesmo, é que criamos uma amizade pela música, mas também fora. O tal à vontade, o tal “estar nu” perante os membros da banda, ocorre sempre mesmo quando não estamos a tocar e estamos só num bar juntos a beber umas cervejas, ou estamos na escola só a fazer qualquer coisa.

Afonso — Também é importante dizer que, sobre o que referiste de quando estamos sozinhos as coisas às vezes saírem de uma maneira mais pessoal e mais íntima, principalmente nos nossos trabalhos de casa… Muitas das vezes os nossos trabalhos de casa não eram individuais. Houve imensas noites em que fui ter com o Martim, e ficávamos horas e horas a falar, a fumar cigarros, a escrever… Portanto, eu acho que o ambiente da banda ser tão pessoal, e haver uma amizade tão forte entre todos os membros, onde todos se sentem à vontade para dizer seja o que for, cria um ambiente na música onde essa possibilidade também passa, e haja essa naturalidade de mostrarmos o que sentimos sem mostrar medo nenhum.

Vitor — Para mim, em vez de ser a nossa amizade em si, ou a nossa maneira de ser uns com os outros, a vulnerabilidade entre nós… não foi isso que levou à banda, acho que foi o inverso. O facto de começarmos como amigos e conhecidos a tocar juntos, que em si já é uma expressão única, porque estamos a tocar um instrumento e a exprimir-nos através do mesmo, é que fez com que nos tornássemos mais próximos uns dos outros. Foi a banda, a escrita da música, o estarmos ali fechados numa sala durante muitas horas e muitos dias. Foram essas ações que se calhar vieram de uma amizade simples, que levaram à interação que temos hoje em dia. Foi a banda que possibilitou sermos mais vulneráveis entre nós.

Afonso — Eu concordo com isso, sinceramente.

Gui — Eu concordo em parte, porque eu e o Afonso já tínhamos tocado várias vezes juntos, já tínhamos tido projetos à parte, quando andávamos numa escola de música de rock — que era uma javardice, claro. O Vitor juntou-se a nós depois, e ainda bem. E concordo que temos uma amizade forte por fazermos música juntos. Mas eu já conhecia muito bem o Afonso e o Martim, já tínhamos passado por muitas vivências juntos.

Martim — O que acontece é que também tem muito a ver com a história de como tudo começou. O Afonso e o Gui já se conheciam há muito tempo, conhecemo-nos na escola, fizemos a banda, éramos os três e mais duas pessoas. Era só para brincar. Depois a banda surge finalmente comigo, o Afonso e o Gui. E o Vitor juntou-se mais tarde. Eu acabei por ser o elo entre os restantes. Depois tudo começou a resultar e agora temos esta amizade gigante. Sobre a pergunta inicial, sobre a influência da vulnerabilidade na criação da nossa arte… acho que se aplica a nós. Nós discutimos os nossos sentimentos, livros, álbuns, que música queríamos realmente. Mesmo sem estarmos todos juntos, entre nós, conversávamos muito sobre o que queríamos da música, o que gostávamos de exprimir. Cada um no seu instrumento e com a sua individualidade, obviamente. E sempre fomos muito abertos, nunca houve nenhum entrave. Eu vejo o Gui a tocar um sentimento diferente do do Afonso, apesar de haver ali algo em comum. E o Vitor e eu a mesma coisa.

Às vezes nas bandas funciona muito com um vocalista que lidera, que escreve e compõe. Por isso, é muito interessante esse processo de co-criação, e saber que os instrumentistas têm uma força de expressão própria.

Vitor — Eu acho que connosco, e vocês corrijam-me ou adicionem, apesar da maior parte das letras, se não todas, serem escritas pelo Afonso, ele não era a única parte criativa da música. Ou seja, ainda que a letra fosse dele e, sim, a letra se calhar é a parte mais expressiva, todos nós com os instrumentos conseguimos modificar as letras de maneira a exprimirmos aquilo que sentíamos individualmente, e tendo em conta aquilo que o Afonso tinha escrito. As letras facilmente ganham o foco, e por isso poderia pensar-se que como é o Afonso que as escreve, que teria uma capitalização maior na criação da música. Mas acho que isso não acontece de todo, por isso mesmo.

Afonso — Lá está, eu como vocalista nunca quis ser o centro da banda. E mesmo como “front-man”, quando formos fazer os concertos que planeamos fazer, eu terei esse papel a fazer. Mas eu quero é que a banda seja o centro das atenções. Porque eu estou aqui para partilhar esta experiência, que eu tenho com os meus amigos, com o mundo exterior. A “New Year’s”, por exemplo, que é das mais antigas que temos no álbum, passou por imensas alterações a nível da letra. Embora tenha chegado aos ensaios com uma letra e ideia definidas, e para mim era aquilo e era, o Martim disse-me logo: “Epá, isto se calhar não está assim tão bem. Se calhar ficava melhor assim, x ou y.” E eu dei-lhe toda a razão, não tinha nenhum motivo para não querer mudar. E acho que a banda e a nossa música ganham muito disso: desta liberdade que damos uns aos outros de não só opinarmos, como também moldarmos cada parte à nossa expressão.

Vitor — Embora tu escrevas as letras não monopolizas o estilo da música, nem a emoção da música.

Gui — Aliás, quando fazemos qualquer música tentamos sempre moldar-lá os quatro juntos, sempre. Lá está, o processo de criação da música é o tal “jammar”, mas depois tentamos moldar tudo junto. Se o Martim não gostar de uma linha de baixo ou de guitarra, ou nós não gostarmos de uma linha de bateria do Martim, vamos estar sempre a confrontarmo-nos diretamente.

Vitor — Toda a gente tem de estar contente.

Martim — Um estilo democrático de resolver as coisas. Por acaso, acho que foi das coisas que mais causou fricção nos ensaios: 3 concordarem e 1 não concordar. E só dizíamos “ok, deixa-me desenvolver isto um pouco mais e se gostares fica, se não gostares não fica.”

Vitor — Nem é democrático, democrático seria se a maioria ganhasse. Mas nós não vamos por aí. Vamos trabalhar até todos estarem satisfeitos.

Não é uma democracia, tem de haver um consenso.

Vitor — Exato.

Gui — Ou seja, é comunismo! Tem que ser bom para todos e mais nada.

*risos*

Como o Vitor disse, é um compromisso. E esse compromisso passa por haver um altruísmo. Enquanto indivíduos artistas estão a criar algo e a fazer o papel de prescindir de parte desse algo?

Vitor — Nós podemos ter ideias do que seria no final, mas se os outros não tiverem a mesma ideia, temos de ter o pensamento de “Vamos ouvir, vamos ver as diferentes possibilidades, e chegar a uma conclusão.”

Exato. Embora já tenham tocado em vários pontos da última pergunta, coloco-vos: como é a relação da vossa arte com a expressão? A vossa música é fruto do que querem exprimir ao mundo enquanto indivíduos e/ou em quanto grupo?

Gui — Para mim, Arte é algo que nos faz sentir algo e que nós apreciamos. E eu faço isso com mais três pessoas. Para responder à pergunta, arranjei estes três burros para fazerem isso comigo. Para criar um tipo de arte, que mostra aquilo que eu sinto e para partilhar com as pessoas.

Afonso — Eu não iria tão longe, para mim Arte é só uma mensagem. E essa mensagem pode ser uma mensagem estúpida ou super pessoal. E acho que nós pegámos nessa ideia de Arte e decidimos transmitir aquilo que nos vem à cabeça, sempre com vontade de nos divertirmos e gostar do que fazemos.

Vitor — Para mim, no contexto do grupo, acho que nós não podemos, até mesmo se nos consideramos artistas individualmente, comprometer a nossa expressão, a nossa própria arte, pelo grupo. O grupo em si é apenas a união de nós todos, a fazer algo se calhar ligeiramente maior que cada um faria, e a ser um complemento daquilo que nós somos como artistas. Mas não posso dizer “ok, eu não vou deixar de fazer aquilo que gosto de fazer e exprimir, para fazer outra coisa diferente que se calhar eles gostam mais.” Eu acho que isso aí não pode ser. Tem de haver um compromisso de todos, de termos a expressão individual de cada um.

Obrigada a todos! Querem fechar a entrevista adicionando algo que tenha ficado por dizer?

Afonso — Pessoalmente, fico muito feliz por sentir que este álbum não está a ficar perdido. E espero que as pessoas tenham tanta felicidade em ouvi-lo, como nós tivemos desde o primeiro momento em que a ideia surgiu.

Martim — Dá para mandar beijinhos a alguém? Quero mandar para a taberna do BA, ao Leitão, ao Obviamente e à Taberna da Dona Madalena.

*risos coletivos*

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